segunda-feira, 22 de novembro de 2010

EFÊMERO

PERAMBULAVA taciturno
e em mim exacerbavam
sofrimentos, ódios.
Meu cérebro:
fonte intermitente de atrozes visões
de meu passado, principalmente.
Em meu interior um marulho incessante
de risos e vozes vindas não sei de onde.
Meu sangue fervia
O coração dava grandes balouços.
De mim tomou conta grandes amarguras.
De chofre uma gota, depois outra e outra ainda.
Enfim chovia.
(...)
Já ia agora a pé firme
Cuidar do zênite da alegria!

27-07-70
Wagner Marim

sábado, 20 de novembro de 2010

O SIMPLES FIM DO FIM DE UNS


UM PÉ
DOIS PEDEM
TRES DESPEDEM
DA PRECE INERTE.

UM SÓ
DOIS SÓIS
TRÊS TERÇÓIS
OUTROS VERSÕES DO ORIGINAL

UM MONTA
DOIS MONTES
TRÊS DESMONTAM DO CAVALETE DA VIDA
OUTROS SE DESMANCHAM...

Wagner Marim
11-11-75

terça-feira, 16 de novembro de 2010

ANÚNCIO

A índia ainda
num dia que finda nu,
verá na toca oca
um índio de cocar,
encimando a duras penas:
o anúncio da coca-cola.

Wagner Marim
1992

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

SOMBRAS

      O que restou de meu passado foram cinzas. Não tenho passado.  Sou um passageiro no trem da vida entre marcas e fantasmas.
     As sombras que se alguma vez existiram, esvaneceram-se.
     Os passos, os desejos, a construção de um futuro caíram no abismo do tempo.
     Hoje não resta uma esperança. Não sobra um desejo. Não basta uma paixão.
     Nem mesmo as sombras de meu passado se presente estivessem, aplacariam a minha solidão.

17/12/92

sábado, 6 de novembro de 2010

POEMA DO MINUTO

RABISCO rapidamente
um tema.
argüi com trema
para não fugir à ortografia.
redijo à caneta
freneticamente.
a fim de não ultrapassar o tempo do minuto
que é completo e intransponível.
metamorfose.
simbiose.
osmose.
deito.
estico as sobrancelhas
num azo de preocupação.

RASTRO

      
          Ela passou por mim. Não a vi. Na calçada, eu a senti passar por mim. Não a vi.
         Ela passou por mim e perfumou o local onde eu estava com seu cheiro inconfundível. Não a vi. Sei que ela passou por mim.
         Ela passou por mim e traçou curvas sinuosas na rua com seu cheiro característico. Não a vi, mas seu perfume pairava por lá.
         Ela passou sorridente e alegre como o sol daquela manhã que se preparava para aquecer a vida. Não a vi. Ela passou por mim. Até tentei pará-la, mas como não a vi, não saberia. Seria inútil e idiota tentar agarrar o espaço vazio e tentar abraçá-lo. Eu não a vi, mas ela passou por mim.
         Fiquei indagando-me, o que poderia fazer se ela lá estivesse e se eu a visse? E se ela se fizesse material e se postasse em minha frente e me olhasse? Qual seria a minha reação?
         Fiquei perscrutando minha consciência e minhas lembranças e de tudo o que a memória da gente guarda. Decerto nada encontrei registrado. Não houve algum momento parecido e tampouco semelhante com que aprendemos ou que nos contam. Ela passou por mim.
         E eu ainda questionando-me como o que faria se por acaso ela num momento de pena parasse e me olhasse nos olhos. O que diria - o que faria - como diria - como faria? E ela passou por mim.
         Sabem o que faria? Eu simplesmente a abraçaria de um modo sagrado e nesse abraço, silenciosamente, como uma prece que fazemos em nosso recolhimento espiritual, colocaria toda a paz que carrego comigo.
O abraço é uma dádiva da natureza humana em que no silêncio dos breves momentos se eterniza uma vida inteira e não é preciso sequer balbuciar nada. Basta abraçar.
Todavia, nada pude fazer. Ela, ela passou por mim.