sábado, 6 de novembro de 2010

RASTRO

      
          Ela passou por mim. Não a vi. Na calçada, eu a senti passar por mim. Não a vi.
         Ela passou por mim e perfumou o local onde eu estava com seu cheiro inconfundível. Não a vi. Sei que ela passou por mim.
         Ela passou por mim e traçou curvas sinuosas na rua com seu cheiro característico. Não a vi, mas seu perfume pairava por lá.
         Ela passou sorridente e alegre como o sol daquela manhã que se preparava para aquecer a vida. Não a vi. Ela passou por mim. Até tentei pará-la, mas como não a vi, não saberia. Seria inútil e idiota tentar agarrar o espaço vazio e tentar abraçá-lo. Eu não a vi, mas ela passou por mim.
         Fiquei indagando-me, o que poderia fazer se ela lá estivesse e se eu a visse? E se ela se fizesse material e se postasse em minha frente e me olhasse? Qual seria a minha reação?
         Fiquei perscrutando minha consciência e minhas lembranças e de tudo o que a memória da gente guarda. Decerto nada encontrei registrado. Não houve algum momento parecido e tampouco semelhante com que aprendemos ou que nos contam. Ela passou por mim.
         E eu ainda questionando-me como o que faria se por acaso ela num momento de pena parasse e me olhasse nos olhos. O que diria - o que faria - como diria - como faria? E ela passou por mim.
         Sabem o que faria? Eu simplesmente a abraçaria de um modo sagrado e nesse abraço, silenciosamente, como uma prece que fazemos em nosso recolhimento espiritual, colocaria toda a paz que carrego comigo.
O abraço é uma dádiva da natureza humana em que no silêncio dos breves momentos se eterniza uma vida inteira e não é preciso sequer balbuciar nada. Basta abraçar.
Todavia, nada pude fazer. Ela, ela passou por mim.

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